terça-feira, 30 de novembro de 2010

Melhores Contos (Global), uma excelente introdução



(...) Para quem não conhece o trabalho de Caio, ou o conhece pouco, este livro é uma ótima introdução, pois oferece um bom panorama de sua literatura: há contos desde o primeiro livro do escritor, publicado em 1970, até suas últimas produções de meados da década de 1990. Mas tanto os novos como os antigos leitores de Caio que seguirem até o fim por estas páginas poderão perceber que muitos dos contos aqui incluídos têm como tema o amor. O amor como sexo, como paixão, como fantasia e ilusão. Amor entre homens, entre mulheres, entre homens e mulheres. O início e o fim de um amor. A esperança do amor e a aversão a ele. Até mesmo a violência presente em vários contos poderia ser compreendida como falta de amor. Por isso, este livro certamente também poderia ser chamado de Os melhores contos de amor de Caio Fernando Abreu.


Como toda seleção é, de certa forma e em algum grau, arbitrária, isso poderia significar algum desejo não manifesto do selecionador, algo como "a-busca-no-outro-de-algo-por-que-ele-mesmo-anseia". Deixando de lado uma interpretação psicanalítica ba rata acerca do selecionador, é importante observar que Caio, na apresentação de Os dragões não conhecem o paraíso, de 1988, já havia apontado ao leitor para a constância presente em seu sétimo livro:


Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias independentes, girando sempre em torno de um mesmo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Mas, se o leitor quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado, mas, de algum modo ― suponho ―, completo.


No entanto, como o leitor poderá atestar após a leitura dos contos deste livro, essa constância temática não se circunscreve a Os dragões não conhecem o paraíso, mas sim se estende por toda a obra do escri tor, por diferentes formas. Assim, podemos pensar em sua obra inteira como um grande romance desmontá vel, cujo tema maior é o amor. Aliás, meses antes de falecer, Caio refletiu: "Ultimamente tenho pensado se Cortázar tinha razão quando dizia que o escritor passa a vida tentando escrever um livro só. Proust conseguiu dar essa ordem. Mas Proust era Proust". Estranha iro nia: a obra de um escritor "pesado" e "baixo-astral" seria, por essa lógica, um grande romance sobre o amor. É certo que, na maioria das vezes, é um amor que foge da idealização romântica a que estamos sub jugados, mas ainda assim é amor.
De resto, fica uma observação. As histórias de Caio ― de amor ou não e até mesmo aquelas conside radas pesadas, chulas e tristes ― parecem lembrar que a vida, apesar dos pesares, ainda vale a pena ser vivi da, como sugere o título do conto "Morangos mofa dos". O fim desse conto ("Frescos morangos verme lhos. Achava que sim. Que sim. Sim.") remete explici tamente ao livro A hora da estrela, de Clarice Lispector, escritora de quem Caio era um leitor confesso. Nas linhas finais desse romance de Clarice, o nar rador, Rodrigo S. M., angustiado e perplexo com a morte rude da personagem Macabéa, lembra ao leitor: "Não se esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim". A inesperada recomendação do nar rador no fim da narrativa, além de surpreender o lei tor, é um tanto enigmática. Várias interpretações podem ser feitas. Uma delas sugere que, diante da morte crua e inevitável da personagem, os morangos representariam a vida.
De certa forma, não só o conto "Morangos mofa dos", mas também toda a obra de Caio, mesmo consi derada "pesada" e "baixo-astral", parecem dizer isso. Mesmo que estejam mofados, sugere o escritor, os morangos continuam sendo morangos. Em outras palavras, Caio Fernando Abreu nos lembra em seus textos que a vida ― apesar de, às vezes, ser dolorosa e um tanto cruel ― continua sendo a vida. A (ainda) nossa vida.
Marcelo Secron Bessa

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